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Globo News: os Porcos e suas pérolas¹.

  • Foto do escritor: Murphy Stay
    Murphy Stay
  • 17 de nov. de 2024
  • 9 min de leitura

Atualizado: 20 de nov. de 2024

por Rafael Jácome

Desde o famoso “Uma escolha muito difícil” que a imprensa brasileira não nos presenteia com um uma pérola digna dos mais sujos chiqueiros liberais. Desta vez, a Globo News reuniu um grupo de célebres liberais mediocremente alinhados entre si, para debaterem do alto de suas “especialidades” sobre o imbróglio que o governo reformista do PT causou ao ser o agente operacionalizador dos cortes que hoje ganham destaque na imprensa. Cortes pautado numa política de austeridade típica dos mais repulsivos interesses da burguesia brasileira, colocando a cúpula petista em contradição flagrante contra boa parte de sua base orgânica, eleitoral, social e oscilante.

Neste show de barbaridades, destacamos aqui algumas falas desse nobre canal que outrora deu cobertura exemplar às manifestações que culminaram na deposição do próprio governo petista em 2016 e que ficou eternizado como apoiador fiel de uma ditadura que assassinou milhares de trabalhadores e combatentes de esquerda. Tais falas são emblemáticas e denotam nada mais que um desprezo cínico destes canais e de seus financiadores (a burguesia) com a classe trabalhadora deste país. Tão cínico quanto o apoio de Geraldo Alkmin às privatizações de Tarcísio, este mesmo Tarcísio que cometeu crime eleitoral contra o recentemente descartado pelos liberais paulistanos (mesmo fazendo concessões em pautas históricas); Guilherme Boulos.

Vamos às duas principais pérolas.

“Ele ainda pensa como sindicalista...” (comentário sobre a resistência de Marinho em relação aos cortes na pasta do Ministério do Trabalho).

Aqui vale a máxima de que os ideólogos sempre deixam escapar (sem querer) meias verdades ao contar as mais completas mentiras sobre a realidade ou sobre seus preconceitos. Como lacaios de topete e brilhantina do que existe de mais podre nas concepções do liberalismo brasileiro, nesta pérola está explicitada o que a burguesia brasileira (seja ela polida ou raivosa) realmente pensa sobre os trabalhadores, seus organismos de luta e seus anseios por condições de trabalho melhores. Para estes jornalistas existe uma separação entre o pensamento de um sindicalista, historicamente atrelada ao símbolo da combatividade em defesa dos interesses da classe trabalhadora (ou que ao menos teria sido, em outros tempos) e uma suposta superioridade intelectual dos gestores do capitalismo. Além do mais, sem perceber a apresentadora reconhece que, apesar de um alinhamento intra estado, existe um conflito gritante entre os interesses da classe dominante e a massa de trabalhadores impactados por suas políticas de austeridade (esta última representada na imagem do "pensa como sindicalista") e o jogo de cadeiras do governo evidenciar isto, mesmo que pouco, é inadmissível.

Para aplacar uma contradição governamental imposta pelos cortes em áreas imprescindíveis para a qualidade de vida dos trabalhadores, tais jornalistas precisaram explicitar seu preconceito de classe para que diante das contradições que o governo petista apresenta, os interesses de Haddad e sua turma prevaleçam, saindo assim como os vencedores na resolução desta contradição. Uma disputa suja.

Que o governo do PT está explicitamente alinhado aos interesses dos setores da burguesia que operam tal cortes, disto já sabemos. Entretanto o que fica concreta e simbolicamente expressada nas falas destes jornalistas é que, para bancar tal alinhamento, os setores de cúpula do petismo têm atropelado até mesmo sua base mais ligada aos anseios dos trabalhadores e um projeto de derrota do liberalismo e do bolsonarismo (ainda que por vias reformistas).

Não afirmo que Marinho não tenha sido em algum momento de nossa história um expoente dos interesses históricos dos trabalhadores, não conheço sua história o suficiente. Mas apesar de seu histórico ser reafirmado pelos seus defensores, nada parece diminuir a vergonha de seus tweets desmobilizando a pauta do pelo fim da escala 6x1. Em suma, aqui destaca mais o conteúdo atacado do que o sujeito que, para esses jornalistas, expressa tal conteúdo.


Se ao menos o governo tivesse mais expoentes que pensassem como sindicalistas (como não parece ser o caso de Marinho, atualmente), certamente teria a coragem de mobilizar a classe pela revogação imediata da reforma trabalhista. Reforma esta que não gerou empregos, mas sim miséria. Também não veríamos um ministro da fazenda de um governo que mobiliza símbolos – somente símbolos - históricos dos trabalhadores ser defendido por um canal que outrora foi o principal articulador do processo que culminou na ascensão do bolsonarismo.

“Em que mundo ele vive?” (comentário sobre a fala de Marinho: “Se não quiser, a Uber que vá embora”, frente a resistência da empresa Uber de ter sua atividade exploratória e intensamente precarizante, regulamentadas pelo estado brasileiro).

Tal fala é de uma falta de compreensão tão grande sobre as condições de trabalho e a própria dinâmica de exploração a qual os trabalhadores de aplicativos estão submetidos, que chega a dar asco. Tal fala ignora (propositalmente) que as empresas de aplicativo efetivam uma verdadeira precarização do trabalho em nosso país, colocando os trabalhadores sob um regime de perseguições e maquinações criminosas das mais diversas a fim de garantir suas taxas de lucro e de evitar a organização da categoria de motoristas e entregadores de aplicativos.

Meses após o “Breque dos APP’s”, greve tocada pelos entregadores de aplicativo em solo brasileiro, o portal A Coisa Pública publicou uma matéria investigativa intitulada “A máquina oculta de propaganda do iFood”. Esta matéria investigativa demonstrou uma série de maquinações para desarticular, de maneira criminosa, uma categoria que se organizava pela melhora das condições de vida dos trabalhadores de aplicativo. Entre essas maquinações estão a instrumentalização da necessidade de vacinação para os fins de desarticulação da greve, visto que "os adesivos e a faixa que pediam “vacinação já” no estádio do Pacaembu (...) vieram acompanhados pela disseminação de posts e comentários de usuários falsos, que teriam sido criados por agências de publicidade a serviço do iFood no Twitter e Facebook.".

Ou seja, a tão orgulhosa, GloboNews,  que fez uma pseudo-campanha pela vacinação hoje se coloca em defesa de um segmento burguês que subverteu a lógica humanizadora por traz da luta de nossa classe por vacinação, afim de desarticular esta mesma classe em seu processo de luta por melhores condições de trabalho. Isto demonstra nada mais que tais canais burgueses se apropriam de nossas pautas, mas esvaziam seu núcleo duro revolucionário afim de perpetuar os interesses de uma classe dominante apodrecida.

Tal jornalismo também evidencia outras coisas. A primeira delas é a mistificação extrema, através da imprensa. Luiz marinho (ministro do trabalho) afirmou que se a empresa quiser ir embora do Brasil, “problema” é da empresa. E, ainda que fale de um ponto de vista liberal, ele está certo. Um complemento na fala do ministro que não foi evidenciado nos títulos das notícias alarmistas, foi de que: caso a Uber fosse embora, uma concorrente ocuparia seu lugar.

Até a mente liberal mais ingênua, se pautando pela abstração reducionista do eixo “oferta X demanda”, sabe que qualquer viabilidade empresarial no mercado obedece às possibilidades colocadas pelo contexto. Fato é que para operar seu lucro de 11 bi [CdM1] a Uber tem no Brasil seu segundo maior mercado. Contando com mais de 22 milhões de usuários e mais de 600 mil motoristas, tal empresa vê no Brasil um dos países centrais que alavancam sua política de expansão mundial “feroz” sustentada nas costas dos trabalhadores.

Ora, caros jornalistas liberais, temos como concorrente da Uber uma empresa chinesa (99), em plena aproximação deste país do bloco econômico da China. Em termos puramente liberais: a ausência de uma empresa precarizada, num contexto em que o monopólio do setor ainda não está consolidado, obviamente fará com que a fatia abandonada por uma das concorrentes ao monopólio seja imediatamente abraçada pelo investimento da que sobrou. Será que até mesmo nas categorias que acreditam com fé religiosa, como a “concorrência”, liberais são suficientemente perdidos para não dar coerência ao que falam?

Claramente, o liberal menos estúpido responderá que isso seria ruim pelo fato que diminuiria a concorrência e automaticamente implicaria num aumento de preços. Ao fazer tal movimento, cai a máscara liberal e com ela seus mitos, derretendo-se aos olhos de seus asseclas, frente à necessidade de remeter à intervenção estatal como forma de regulação do mercado. Dito isto é evidente que é justamente essa necessidade regulatória do Estado frente ao mercado que se deseja camuflar; já que o pacote de austeridade tocado pelo petismo atualmente é um verdadeiro condicionamento (esperado) da máquina estatal, a fim de proteger o mercado para que assim se favoreça uma classe que não é a dos entregadores e motoristas de aplicativo. Uma verdadeira e proposital inversão.

Outra característica típica dos liberais (decorrente da constatação óbvia nos parágrafos acima) é inverter a ordem do processo econômico, centralizando o pilar econômico de nossa sociedade nos proprietários dos meios de produção (burguesia) ao invés de reconhecer na massa de trabalhadores essa centralidade. Massa sem a qual nenhuma mercadoria seria produzida e sairia das fábricas ou das lojas para ir magicamente parar no mercado para ser comercializada. O jornalismo liberal médio desconsidera ou tenta camuflar tal constatação, seus estúdios arejados são impermeáveis à compreensão mais basilar da economia política e acabam disseminando as mesmas barbaridades que o bolsonarismo mais apaixonado, porém de maneira mais polida para dar ares de sobriedade.

Tal constatação óbvia (por isso tão atacada) explica o motivo de a Ifood ter investido tanto na desarticulação da greve dos motoristas e entregadores de aplicativo. Sem a atividade cotidiana da massa de trabalhadores de aplicativos em nosso país, atendendo à dinâmica do “trabalho por peças” descrita por Marx (2) (em que se coloca nas costas dos trabalhadores uma intensidade maior do ritimo de trabalho e, no cenário atual, de maneira ainda mais exploratória, também os custos dos seus meios de trabalho), a atividade de qualquer empresa de aplicativo se torna ameaçada em nosso país. Fica explicito que, invariavelmente, a permanência das empresas de aplicativo em solo nacional passa pela manutenção de condições de trabalho precárias e que hoje levam ao abarrotamento de processos trabalhistas na justiça brasileira (houve um crescimento de 400% na pandemia), em que os relatos chocantes não parecem sensibilizar nossos queridos jornalistas da GloboNews.

Com base nas linhas acima, respondemos aos “nobres” jornalistas: ao menos Marinho da indícios tímidos de ainda viver num país concreto e paralelo a confortável sala com ar condicionado dos jornalistas, em que os "especialistas" comentam barbaridades que só podem sair da boca de quem quer transformar o mercado em sujeito e o trabalhador em mercadoria. Se o governo fará mais que reconhecer este Brasil real e com isso alavancar uma mobilização digna da classe, recuar na politica de austeridade e sair da posição rendida ao capital, veremos (duvido). Certo é que devemos estar preparados e articulados para qualquer cenário; sem desânimos!

Um apontamento sobre as pérolas.

Uma afirmação nem sempre vem pela necessidade de se esclarecer, muitas vezes se trata só da necessidade de reafirmação do óbvio: não existe horizonte para os trabalhadores nas políticas liberais que hoje o governo vem implementando. No fim este texto é mais do mesmo, mas óbvio em tempos de barbárie é bandeira de combate. Dito isto, não nos é estranho que tais liberais e seus jornalistas alinhados disseminem, seja com educação e polidez ou com escarnio e acidez, a defesa de políticas que contribuam para a morte de milhares de trabalhadores. O que salta aos olhos é que uma parte da base petista entre nessa empreitada de defesa de tais políticas, mistificando o processo da luta de classes em mero joguete estadista para defender a forma governo e não o questionamento de seu conteúdo.

Em 2016 Dilma fez concessões ao mercado e mesmo assim foi deposta de seu cargo. Naquela situação podemos dizer que o governo conseguiu emplacar a ideia de que jogou pérolas aos porcos, a fim de que eles se acalmassem e a mantivesse no executivo em nome de uma governabilidade rendida ao capital; não deu certo. Hoje vemos boa parte da base governista e o próprio governo em alinhamento com a cúpula encabeçada por Haddad: agora é o governo que decidiu, explicitamente, pegar as pérolas jogadas pelos porcos. Veremos no que vai dar. ***

 

 

1.     A mídia hegemônica teve muito trabalho nos últimos dias, devido a explosão de insatisfações com a jornada 6x1. Não faltou "pérolas". Para um debate mais aprofundado, recomendo este ótimo texto do Lambertucci : "É A LUTA DE CLASSES, ESTÚPIDO!".


2.      “No salário por tempo domina, com poucas excepções, o mesmo salário para as mesmas funções, enquanto no salário à peça o preço do tempo de trabalho é, com efeito, medido por um quantum determinado de produtos, o salário diário ou semanal, pelo contrário, varia com a diversidade individual dos operários, dos quais um apenas fornece o mínimo de produto num dado tempo, o outro a média e o terceiro mais do que a média. No que diz respeito ao rendimento real têm aqui lugar grandes diferenças consoantes a diversa destreza, força, energia, resistência, etc., do operário individual. Isto naturalmente não altera em nada a relação geral entre capital e trabalho assalariado. Em primeiro lugar, na oficina total as diferenças individuais compensam-se, de tal modo que ela fornece o produto médio num determinado tempo de trabalho e o salário total pago torna-se o salário médio para este ramo de negócio. Em segundo lugar, a proporção entre salário e mais-valia permanece inalterada uma vez que ao salário individual do operário singular corresponde a massa de mais-valia por ele fornecida individualmente. Mas o espaço de manobra maior que o salário à peça proporciona à individualidade tende, por um lado, a desenvolver a individualidade e com ela o sentimento de liberdade, a autonomia e o autocontrolo dos operários, e, por outro lado, a concorrência entre eles e de uns contra os outros.”

 

MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Livro primeiro: O processo de produção do capital. Sexta seção: O salário. Décimo nono capítulo: O salário à peça. Disponível em: [https://www.marxists.org/portugues/marx/1867/capital/livro1/cap19/01.htm](https://www.marxists.org/portugues/marx/1867/capital/livro1/cap19/01.htm). Acesso em: 11 nov. 2024.

 

 

 
 
 

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